Contato pele a pele na primeira hora de vida do recém-nascido sob o olhar materno

Skin-to-skin contact in the newborn’s first hour of life from the maternal perspective

Palavras-chave: Aleitamento Materno, Método canguru, Parto, Recém-nascido, Relações Mãe-filho

Resumo

Identificar, por meio de relatos das puérperas, a experiência do contato pele a pele (mãe-filho) na primeira hora de vida do recém-nascido. Estudo descritivo, prospectivo de abordagem qualitativa, realizado por meio de entrevista aberta, semiestruturada, com puérperas internadas em uma maternidade referência em alto risco, vinculada ao Sistema Único de Saúde, do Espírito Santo. Foram elaboradas três categorias temáticas: vivenciando os primeiros sentimentos ao conhecer e amamentar o bebê; influência do tempo sobre o contato pele a pele; e, condutas dos profissionais de saúde no contato pele a pele. As puérperas apresentaram sentimentos positivos em relação à experiência do contato pele a pele e destacaram a importância da presença dos profissionais de saúde. O estudo torna-se relevante para reflexão e postura dos profissionais em relação aos cuidados prestados ao binômio mãe-bebê e à qualificação da prática do contato pele a pele de forma humanizada.

 

Palavras-chave: Aleitamento Materno. Método canguru. Parto. Recém-nascido. Relações Mãe-filho.

 

INTRODUÇÃO

A busca por melhores práticas de humanização do nascimento no Brasil e no mundo possibilitou novos olhares para oferta de cuidados baseados em evidências, sendo recomendada a realização do contato pele a pele (CPP) em recém-nascidos (RN) com boa vitalidade. Esse procedimento foi fruto da ideia de Rey e Martinez, em 1978 no Instituto de Maternidade e Infância de Bogotá1. A primeira hora de vida do RN é denominada “hora dourada”, por ser um período crítico de transição para a vida extrauterina. Diante disso, a equipe de saúde deve estar apta a identificar possíveis riscos ou alterações e a executar práticas baseadas em evidências durante o contato pele a pele entre o binômio mãe-filho, oferecendo uma assistência menos intervencionista possível2.

O CPP é uma técnica barata e segura que promove benefícios em longo prazo ao possibilitar o contato precoce entre mãe-filho logo ao bebê nascer. Durante a “hora dourada” são seguidas diretrizes e recomendações nacionais e internacionais, consideradas boas práticas obstétricas que condizem com a humanização do parto e puerpério2. Portanto, recomenda-se que o CPP seja implementado como rotina hospitalar, tornando-o viável para a maioria das puérperas, inclusive em países em desenvolvimento, visto que se trata de uma estratégia de baixo custo3,4.

A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), instituiu os “Dez Passos para o Sucesso no Aleitamento Materno”, onde o quarto passo é "Ajudar as mães a iniciar o aleitamento materno na primeira meia-hora após o nascimento"5. Assim, fortalecer o contato pele a pele na primeira meia hora de vida logo após o parto é essencial, pois reforça o vínculo entre mãe e filho e diminui as taxas de mortalidade neonatal6.

O CPP proporciona a regulação da temperatura corporal do RN com menor perda de energia, auxilia na respiração, frequência cardíaca e choro, predispõe o vínculo e cuidado materno na primeira hora de vida, em um período importante de adaptação e reconhecimento para mãe e bebê. Este deve ser contínuo, prolongado e estabelecido em toda mãe-filho saudáveis7. Recomenda-se colocar o bebê sem roupa, de bruços, sobre o tórax ou abdômen desnudo da mãe, e cobri-los com um cobertor aquecido, independente se o parto for normal ou cesáreo8. Ao conhecer o filho pela primeira vez, o corpo da mulher ativa a prolactina para sustentar a amamentação, e libera ocitocina que atua na contratilidade uterina, prevenindo hemorragia e anemia no puerpério, diminui também a adrenalina reduzindo a ansiedade no pós-parto e acalma a puérpera2.

Neste contexto, se destaca como necessário, o papel da equipe multiprofissional ao fornecer orientações prévias sobre a prática desta técnica para a gestante. O pré-natal é o momento mais propício para iniciar a conversa sobre o contato pele a pele na primeira meia hora de vida, a importância da amamentação exclusiva e rede de apoio6. Os profissionais devem prover esclarecimentos e ressaltar a importância da prática de forma efetiva9.

A presença da Enfermagem Obstétrica e sua equipe representa a promoção da segurança, acolhimento e efetividade na atenção em todos os momentos da parturição, proporcionando maior autonomia à mulher e a garantia de seus direitos10. Dessa forma, o objetivo deste estudo é identificar, por meio de relatos das puérperas, a experiência do contato pele a pele (mãe-filho) na primeira hora de vida do recém-nascido.

 

MÉTODOS

Estudo descritivo, prospectivo de abordagem qualitativa, realizado por meio de entrevista aberta, semiestruturada com puérperas de bebês a termo vinculadas a um hospital público, de grande porte, referência em alto risco para gestantes.

As pesquisas qualitativas têm caráter exploratório e subjetivo, permitindo aos entrevistados se expressarem espontaneamente sobre algum tema, objeto ou conceito, sendo essencial na estruturação das relações sociais, tanto no seu advento quanto nas transformações e construções humanas significativas11. Ademais, a abordagem qualitativa, permite a criação de novas abordagens e criação de novos conceitos e categorias durante a investigação.

Desta forma, esse tipo de pesquisa proporciona um modelo de entendimento profundo de ligações entre elementos, direcionado à compreensão da manifestação do objeto de estudo. O número de entrevistados geralmente é pequeno e normalmente as informações são coletadas por meio de um roteiro. As informações após serem recolhidas, são analisadas e registradas em relatório destacando opiniões, comentários e frases mais relevantes que surgiram. Reduzindo, dessa forma, os textos às palavras e expressões significativas12.

As puérperas internadas na maternidade foram convidadas a participar da pesquisa, voluntariamente, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Cabe destacar que foi mantido o anonimato tanto dos recém-nascidos quanto das famílias.

Os critérios de inclusão foram primíparas/multíparas de partos vaginais ou cesarianas, que tiveram contato pele a pele com o recém-nascido na primeira hora de vida no parto atual, e, com idade superior a 18 anos. O critério de exclusão foi a não realização do contato pele a pele, previsto no documento de parto, anexado ao prontuário do RN.

Destaca-se que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes sob o n° 8791289. Primeiramente, realizou-se uma entrevista piloto, em local reservado, para validar o instrumento. Em seguida, feitas as adequações que foram necessárias, as entrevistas realizadas foram gravadas e transcritas na íntegra pelas pesquisadoras, garantindo a privacidade de cada entrevistada.

O tamanho da amostra foi orientado pelo critério da saturação, que pode ser definido como “a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, uma certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados”13.

A análise de um estudo qualitativo exige que o pesquisador ouça com muito cuidado o que o entrevistado disse, sem tirar ou impor conclusões precipitadas ou atribuir juízo de valor e tomar como base suas crenças e princípios, mantendo, desta forma, maior fidedignidade ao que o entrevistado quis transmitir. É recomendado por estudiosos utilizar na análise de conteúdo temática, artefatos como, fotografias, vídeos, gravações das entrevistas e anotações. Além destes artefatos, foi utilizado como base para análise dos dados, a obra “O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde”, seguindo técnicas e etapas (pré-análise, exploração do material ou codificação e tratamento dos resultados obtidos/interpretação e categorização) recomendadas por Maria Cecília Minayo12.

Na Análise de Conteúdo Temática, após a classificação e agregação dos dados, são definidas palavras ou expressões que dão origem às categorias teóricas ou empíricas, responsáveis pela especificação do tema11. A partir disso, o analista propõe inferências e realiza interpretações, inter-relacionando-as com o quadro teórico desenhado inicialmente ou abre outras pistas em torno de novas dimensões teóricas e interpretativas, sugerida pela leitura do material12.

Desta forma, a partir das respostas das puérperas às perguntas que guiaram a produção deste estudo: "Realizou pré-natal? Se sim, em qual local e quantas consultas?"; "Recebeu alguma orientação sobre o contato pele a pele durante o pré-natal? De qual profissional?"; “O que é contato pele a pele para você?”; "Quanto tempo durou seu contato pele a pele com o recém-nascido?"; "Você sabe os benefícios do contato pele a pele? Se sim, quais são?"; "Você amamentou seu filho(a) durante o contato pele a pele?"; "Como você se sentiu no momento do contato?"; e "Quanto ao contato pele a pele, você tem alguma sugestão a fazer relacionada a forma como foi assistida pela equipe?", surgiram 4 unidades temáticas, entre elas: "relação"; “neném e mãe"; "momento único"; e "dar a mama". Estas, deram origem às categorias: "Vivenciando os primeiros sentimentos ao conhecer e amamentar o bebê"; "Influência do tempo sobre o contato pele a pele"; e "Condutas dos profissionais de saúde no contato pele a pele"; que serão apresentadas a seguir.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Por questões de confidencialidade, as participantes serão nomeadas com a sigla “M” de mãe e o número de acordo com a ordem das entrevistas (M01, M02, M03 e assim sucessivamente).

Participaram do estudo treze puérperas (excluiu-se a entrevista piloto), com idades entre 18 a 43 anos. Em relação à via de parto, nove realizaram partos vaginais e quatro foram submetidas à cesárea. Duas participantes estudaram até o Ensino Fundamental, nove até o Ensino Médio e duas até o Ensino Superior.

Em relação ao número de consultas de pré-natal foi apresentada grande variabilidade, sendo quatro a dezessete consultas realizadas. É recomendado pelo Ministério da Saúde8 o número mínimo de 6 consultas, visto isso, foram encontradas que somente duas participantes não seguiram essa recomendação. Entende-se que as orientações sobre o decorrer da gestação e período do puerpério são fundamentais nas consultas de pré-natal, incluindo o contato pele a pele. Porém, isso não foi percebido nos relatos das puérperas, que demonstraram total desconhecimento sobre o que seria a técnica do CPP, totalizando apenas duas que receberam orientação pela equipe médica sobre o que se tratava e seus benefícios.

Por se tratar de hospital de referência para gestantes de alto risco, o Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (HUCAM) atende dois tipos de pré-natal: o de alto risco, realizado no ambulatório 2 do próprio hospital, e o da Prefeitura Municipal de Vitória (ES). Sendo assim, até mesmo as puérperas que tinham seus pré-natais realizados no hospital, também não tiveram informação sobre o CPP.

Sobre a hora dourada, sabe-se que a amamentação se faz importante como fator de proteção do RN, contudo sete participantes referiram não ter amamentado devido a algumas dificuldades que impossibilitaram esse momento, como presença de secreção ou líquido amniótico nas vias aéreas e sonolência do RN8. Estas puérperas referiram tempo prejudicado do CPP, com 10 a 15 minutos de duração ao invés de 30 minutos ou mais, como preconizado pelo Ministério da Saúde.

A partir da análise das informações obtidas, construíram-se três categorias temáticas, as quais são discutidas a seguir.

VIVENCIANDO OS PRIMEIROS SENTIMENTOS AO CONHECER E AMAMENTAR O BEBÊ

Nessa categoria, as puérperas entrevistadas contaram sobre as suas experiências e sentimentos vivenciados no momento do CPP com os seus bebês. Como é percebido no relato:

(M05) “(...) no meu primeiro filho eu não tive esse contato, então foi bem difícil eu me adaptar com ele, tanto que nem mamar ele mamou. Já a neném não, eu pego ela, e ela fica mais calma e tranquila, até de ouvir a minha voz ela para de chorar”.

De acordo com o Ministério da Saúde8, são previstos vários benefícios ao se realizar o CPP, como a estabilização de parâmetros vitais do bebê; a manutenção da temperatura corporal do RN; o fortalecimento do vínculo entre mãe e RN; além de favorecer a adaptação da vida extrauterina. O CPP auxilia também no aumento da quantidade de leite materno. O Estudo de Monteiro2 aponta que ao conhecer o filho pela primeira vez, o corpo da mulher ativa a prolactina para sustentar a amamentação e libera ocitocina que atua na contratilidade uterina, prevenindo hemorragia e anemia no puerpério. Além disso, diminui a adrenalina, reduzindo a ansiedade no pós-parto o que acalma a puérpera. Portanto, amamentar se faz fundamental nas primeiras horas de vida. Dessa forma, o CPP juntamente com o aleitamento materno precoce, contribui para uma boa sucção do RN e estimula a produção de hormônios importantes para a geração e produção de leite no organismo materno.

Segundo a OMS5, o contato pele a pele é o quarto passo dos "Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno", portanto o contato precoce, incluindo o toque dos mamilos, pode ter importantes efeitos no comportamento materno em geral e no vínculo mãe-filho. Este contato pode ser valioso e deve ser encorajado, tanto para as mães que não pretendem amamentar, como para aquelas que pretendem. Para isso, é importante que a amamentação seja estimulada desde o nascimento para garantir a espontaneidade do RN em relação à disposição para mamar. Isso geralmente ocorre dentro de uma hora após o nascimento, podendo, no entanto, variar e acontecer a qualquer momento, dentro das duas primeiras horas.

Quando questionadas sobre o que seria o contato pele a pele na primeira hora de vida, as puérperas responderam:

(M02) “No caso seria o neném comigo?! Eu não sei te dizer”.

(M03) “É um tocar no outro?! É isso? o neném, eu não sei”.

(M04) “Acho que é da gente com o neném né?!”.

(M05) “É, eu não sei, não sei explicar, tipo assim a mãe em contato com o bebê, amamentação, essas coisas assim?”.

Os relatos acima denotam fragilidades importantes em relação ao conhecimento das puérperas sobre o CPP. Essas vulnerabilidades estão diretamente ligadas a falta de informação prévia sobre o tema, ocasionando insegurança para responder à pergunta. Conhecimento este que deveria ser passado pela equipe de saúde em forma de orientação durante o pré-natal, uma vez que, a gestante deve compreender o que é o CPP tanto em relação aos benefícios, quanto sobre a maneira ideal de se realizar.

Os resultados confirmam o estudo de Jung et al. realizado em Hospital privado da região do Vale dos Sinos, Rio Grande do Sul, no qual apenas duas participantes relataram receber informação sobre o CPP durante o pré-natal14. O Ministério da Saúde10, aponta que os profissionais de saúde, incluindo o enfermeiro, são fundamentais para o sucesso do contato pele a pele na medida em que devem orientar as gestantes, ainda nas consultas de atenção primária. Desta forma, pode-se identificar fragilidades em relação a condutas de educação em saúde e orientações sobre o CPP.

No relato a seguir, a parturiente compara o parto atual em relação a vivência de um parto anterior, no qual o CPP não foi realizado:

(M05) “(...) Sim, muito importante, gostei muito, meu primeiro filho não foi assim, dessa eu gostei bastante, tanto que ela fica tranquila no meu colo”.

Percebe-se claramente ganhos em relação à amamentação e criação de vínculo entre o binômio mãe e filho frente ao CPP efetivo. Corroborando ao exposto, o contato pele a pele favorece o início da amamentação na primeira hora de vida15. Portanto, se faz necessário oferecer apoio qualificado às mães durante a primeira mamada e, quando necessário, também nas mamadas seguintes, para assegurar que o recém-nascido tenha uma sucção eficaz e mame efetivamente. O apoio deve ser oferecido de maneira apropriada, encorajadora e ser sensível ao desejo de privacidade da mãe. É importante também, garantir a permanência da mãe e do bebê em alojamento conjunto nas maternidades16.

Assim, para a realização e efetividade do CPP, faz-se necessário treinamento da equipe multiprofissional que trabalha com puérperas e recém-nascidos, no sentido de sensibilizá-los em relação a esta prática de cuidado, pois rotinas e técnicas hospitalares inadequadas podem acabar interferindo na eficácia do momento10.

INFLUÊNCIA DO TEMPO SOBRE O CONTATO PELE A PELE

Nessa categoria, as parturientes entrevistadas contaram sobre o tempo de contato pele a pelo com seus bebês:

(M01) “Foi rápido porque ela estava com secreção, foi bem rapidinho. Eu acredito que no máximo 2 minutos, ela não chorou, ela tava com vitalidade, mas ela tava como se fosse regurgitando”.

(M04) “Foi uns 5 minutos”.

(M07) “Ficou 1 horinha juntinhas, depois foram pegar para fazer a triagem nela”.

(M10) “Uns 40 minutos o médico deixou, limpou ele assim né e depois que limpou colocou ele bem pele a pele mesmo”.

(M11) “Uns 10 minutinhos”.

Por meio das falas, fica claro que muitos relatos apontam que o tempo de contato pele a pele não seguiu a proposta do Ministério da Saúde. Comparando esse dado com estudo de Jung. et al.14, identifica-se congruência nos relatos já que as participantes também relataram tempo curto de CPP.

Segundo dados da Fiocruz17, o mais importante é respeitar o primeiro contato pele a pele por uma hora ou mais de uma hora. A partir da primeira hora, o profissional pode pegá-lo rapidamente, fazer as rotinas e levá-lo novamente para o colo da mãe. É notório a realização de práticas distantes da integralidade proposta na Constituição Federal de 1988 no hospital, pois o foco se volta apenas à rotina do setor, no intuito de que tudo seja feito e resolvido de maneira rápida, acarretando assim no CPP e aleitamento materno precoce não eficientes e muitas vezes inexistentes.

A adesão ao quarto passo da IHAC persiste representando desafios em todo o território nacional. Adiciona-se que as altas taxas de cesariana dificultam a realização dessa boa prática18. Embora o parto cesáreo possa ser considerado um obstáculo para a realização do contato, compreende-se que as boas práticas devem ser realizadas em ambos os tipos de partos19. Artigo de Silva LLA et al20 aponta que nos últimos estudos sobre essa temática, nenhuma paciente submetida à cesárea teve oportunidade de realizar o quarto passo, dos dez recomendados pela Iniciativa Hospital Amigo da Criança. Este passo consiste em colocar os bebês em contato pele a pele com suas mães, imediatamente após o parto por, no mínimo 01 hora, encorajando-as a reconhecer quando seus bebês estão prontos para serem amamentados da maneira preconizada.

(M13) “É aquilo que fizeram com ele, eles tiraram e já limparam um pouco ele e trouxeram pra mim, deixou 1 hora em cima de mim até o fechamento da cesárea”.

O relato evidencia que é possível a realização do CPP mesmo diante das dificuldades encontradas no ambiente do Centro Cirúrgico, como foco de luzes fortes, espaço frio, barulhos, trânsito de muitos profissionais que podem não deixar o ambiente confortável. Segundo a Fiocruz17, além da ambiência da sala de parto desfavorável a realização do CPP, existem outros empecilhos, como capacitação da equipe que atua no centro obstétrico sobre estas evidências e boas práticas do nascimento; apoio da equipe para que o acompanhante auxilie no contato pele a pele; e, mudança de fluxos e rotinas para que o contato pele a pele seja uma constante nos partos cirúrgicos.

CONDUTAS DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO CONTATO PELE A PELE

Nessa categoria, serão discutidas as condutas profissionais na visão das puérperas.

Sabe-se que o clampeamento tardio do cordão umbilical, o contato imediato pele-a-pele e o início da amamentação exclusiva são três práticas simples que, além de proporcionar benefício instantâneo ao recém-nascido, podem ter impacto a longo prazo na nutrição e na saúde da mãe e do bebê e, possivelmente, afetar o desenvolvimento da criança muito além do período neonatal e do puerpério16.

Portanto, é imprescindível que o profissional de saúde se atente às necessidades dessas práticas e implicações das mesmas. Assim, a conduta dos profissionais deve ir muito além da técnica. É fundamental que ele garanta o protagonismo, a confiança e a segurança da puérpera durante todo o processo, como observado na fala a seguir:

(M07) “A participação de vocês (enfermagem) foi muito boa, as meninas (enfermeiras) foram muito legais, me ajudou muito. Eu tive um trauma, do meu número 5 (quinto filho), porque esse é o número 6, então eu não sabia se eu conseguia ou não conseguia. E me ajudaram muito, a menina, a enfermeira passou uma confiança de que eu era capaz de novo, né?! Eu tinha um bloqueio (do parto)”.

Diante do exposto, entende-se a importância da equipe garantir que todas as providências para viabilizar o CPP sejam tomadas14. O relato desta mãe, destaca ainda, que suporte profissional prestado no partejar foi imprescindível para alcançar o que é preconizado atualmente já que além de dar à luz ao filho, sem intercorrências, também realizou o contato pele a pele.

Portanto, o relato comprova o quão importante é a participação da equipe de saúde no encorajamento da parturiente, incentivando a sua autonomia e protagonismo, durante todo o processo pré, trans e pós-parto. Por se tratar de um momento único na vida, tanto da mulher quanto de sua rede familiar, por trazer significados onde a mulher muitas vezes se encontra em uma situação de vulnerabilidade, insegurança, medo e ansiedade, não deve ser tratado de forma superficial e desrespeitosa, mas sim, de forma humanizada e centrando o protagonismo do momento na parturiente e seu bebê21.

Assim, reforça-se que o profissional de saúde deve encorajar e apoiar a puérpera, com olhar sempre atencioso ao binômio para tornar esse contato o mais prazeroso e efetivo possível. Nesse cenário, os profissionais de saúde possuem um papel importante, porém, como coadjuvantes22.

O relato a seguir, aponta que se faz necessário o respeito à autonomia e às decisões da mulher durante o CPP, uma vez que, ao identificar algo diferente no seu bebê, a própria puérpera preferiu que a equipe de saúde levasse o RN para ser avaliado, e assim foi respeitada sua tomada de decisão.

(M01) “Na hora eu realmente estava muito nervosa, porque eu vi que ela não tinha chorado, e como eu vi ela regurgitando, [...] tinha alguma coisa de errada, então eu preferi mesmo que eles levassem”.

O CPP é um momento no qual o laço e o vínculo criado e estabelecido durante a gestação se tornam ainda mais fortes, sendo um período considerado facilitador da criação de vínculo do binômio (mãe-filho). Diante desse relato vemos que durante o contato pele a pele, a mãe soube conhecer seu filho, identificar suas necessidades e entender que ele não estava bem. O vínculo desenvolvido durante a gestação juntamente com o CPP foi essencial para essa identificação. A mãe que interage com seu filho desde as primeiras horas de vida, se apropria do papel materno, passando a compreender as necessidades do filho e consequentemente, oferecendo os cuidados necessários ao bebê. Portanto, a vinculação sadia reflete não só no desenvolvimento da criança, mas também na construção da maternidade adequada23.

Um fator que corrobora para esse reconhecimento mãe-filho são os hormônios. O estudo de Russo e Nucci24 informa que o hormônio ocitocina, liberado pelo corpo da mulher durante o parto e a amamentação, é responsável pelo intenso vínculo e laço afetivo que se estabelece de forma natural entre a mãe e o bebê pós-parto e durante a amamentação, fazendo concordância com o relato acima de M01, no qual soube identificar a necessidades de sua filha devido ao vínculo estabelecido.

O relato a seguir expõe claramente o contentamento da puérpera ao se sentir protagonista do seu parto frente à equipe que a assistiu no momento:

(M09) “Nossa, é essencial! Essencial porque desde o momento que ele saiu, eu só escutava: ‘Olha como ele já se acalmou, ele chorou muito pouco’. Então foi uma experiência que não foi traumatizante para ele desde o momento em que ele saiu da minha barriga, sabe. Tanto que ele já até abre o olho, nossa eu achei sensacional, foi muito gostoso”.

Dessa forma, cuidados de rotina e manipulações desnecessárias do bebê podem esperar, já que são menos importantes do que a permanência do bebê junto à sua mãe no contato pele a pele imediato no pós-parto25. Abdala e Cunha15 consideram fundamentais que o RN não seja separado de sua mãe ao nascer, exceto por razões clínicas significativas. Por isso, torna-se necessário que o local do nascimento seja um ambiente acolhedor, silencioso, com manutenção de temperatura ideal, para não tornar esse processo perturbador e ineficiente9.

Contudo, destaca-se que, como o estudo foi limitado a uma única instituição, torna-se interessante a análise de outros cenários para contribuição e melhor avaliação da efetividade do CPP em âmbito nacional. Por fim, tem-se também, como limitação do estudo, a incompletude dos dados dos prontuários que dificultaram a identificação das puérperas aptas a serem inseridas na pesquisa. Alguns documentos não possuíam os registros se houve ou não o CPP e por quanto tempo foi realizado.

 

CONCLUSÃO

A partir da construção e discussão das categorias temáticas, que demonstraram a vivência dos sentimentos, a influência do tempo de CPP e o apanhado das condutas dos profissionais de saúde para a melhor experiência das puérperas, identifica-se que o objetivo deste estudo foi atingido. No entanto, foram observados dificultadores para a realização do CPP preconizado pela literatura utilizada, principalmente em relação à postura intervencionista e preocupada da equipe em seguir as rotinas determinadas pelo hospital, esquecendo, muitas vezes, a importância daquele momento em benefício da saúde mãe-bebê. Foi identificado, por meio dos relatos, que as puérperas apresentaram sentimentos positivos em relação ao parto, ao CPP e ao cuidado puerperal, explicitando contentamento e gratidão à equipe.

Além do cuidado intra-hospitalar, no momento do parto e pós-parto, observou-se que o cuidado integral, no pré-natal, evidenciou carências em relação às orientações prévias sobre contato pele a pele, aleitamento materno precoce e os benefícios destes. Diante disso, muitas puérperas apresentaram insegurança, medo e ansiedade de como seria este momento, já que a orientação foi feita pela equipe do Centro Obstétrico, no instante do parto. Todavia, por meio das orientações e encorajamento da equipe, depositando confiança e permitindo a autonomia e protagonismo materno, foi possível que o CPP e a amamentação nos primeiros minutos de vida do RN fossem um momento leve e emocionante, em especial para as mães multíparas que não passaram por essa experiência nos partos anteriores.

Frente aos sentimentos maternos em relação ao CPP e as fragilidades encontradas nesta pesquisa, constata-se que a capacitação dos profissionais para sensibilização da técnica eficaz, além da condução de um pré-natal enriquecedor e bem orientado são importantes e fundamentais para uma melhor experiência deste momento.

Assim, o estudo torna-se relevante para reflexão e postura dos profissionais, prevendo que os resultados encontrados colaboram para melhores práticas obstétricas, buscando totalizar o cuidado humanizado, integral e centrado nas necessidades biopsicossociais dos verdadeiros protagonistas da cena de parto.

Biografia do Autor

Mariana Mariana Rabello Laignier, Universidade Federal do Espírito Santo
Possui graduação em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal do Espírito Santo (2001), mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo (2005) e doutorado em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2016). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo. Tem experiência na área de Enfermagem, com ênfase em Enfermagem em Saúde da Criança e do Adolescente, atuando principalmente nos seguintes temas: avaliação de Tecnologias em Saúde, saúde da criança, saúde da criança com necessidade especial e sua família, saúde do adolescente, saúde da mulher e saúde do trabalhador/processo de trabalho.
Lara de Souza Santos, Universidade Federal do Espírito Santo
Graduanda em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal do Espírito Santo (2021-Atual).
Rayane Ribeiro Ventura Martins, Universidade Federal do Espírito Santo
Graduanda em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal do Espírito (2020-Atual). Bolsista no Projeto de Extensão "Ações de Enfermagem em Saúde Mental", coordenado pela Dra. Renata Santos de Souza. Possui interesse em projetos de extensão e pesquisa voltados para Saúde Mental e Psiquiatria.
Aline Piovezan Entringer, Universidade Federal do Espírito Santo
Possui doutorado em Saúde da Criança e da Mulher pelo IFF/FIOCRUZ. Mestrado em Saúde da Criança e da Mulher e Especialista em enfermagem Neonatal pelo IFF\FIOCRUZ. Graduada em Enfermagem/ Obstetrícia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Tem experiência na área de Enfermagem, com ênfase em Enfermagem Neonatal. Realiza pesquisas na área de Avaliação de Tecnologias em Saúde/ Avaliação econômica em saúde e Saúde da Criança. Atualmente é Professora da Universidade Federal do Espírito Santo.
Wânia Ribeiro Trindade, Universidade Federal do Espírito Santo
Atua como Enfermeira Obstetra no Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes pela Empresa Brasileira de Serviços hospitalares (EBSERH). Cursando Doutorado em Saúde Coletiva na Universidade Federal do Espírito Santo. Cursou graduação em Enfermagem pela Universidade Federal do Espírito Santo (2000), Especialização em Enfermagem Obstétrica pela Universidade Federal do Espírito Santo (2001), Especialização em Gestão da Clínica nas Regiões de Saúde pelo Hospital Sírio Libanês (2013) e Especialização em Preceptoria em Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2021). Cursou Mestrado em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007). Atuou como professora na Associação Educacional de Vitória (FAESA) e ministrou as disciplinas Saúde da Mulher, Semiologia em Enfermagem, Fundamentos em Enfermagem e Urgência e Emergência Obstétrica.

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Publicado
2024-03-31
Seção
Artigos Originais