Colaboração da Educação Interprofissional no programa PET-Saúde para a formação dos estudantes

Collaboration of Interprofessional Education to the PET-Health program for student training

Palavras-chave: Capacitação de Recursos Humanos em Saúde, Educação Interprofissional, Equipe de Assistência ao Paciente, Estudantes;, Práticas Interdisciplinares

Resumo

O presente estudo objetivou compreender a colaboração do Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde - edição Interprofissionalidade para a formação acadêmica. Trata-se de um estudo descritivo exploratório de natureza qualitativa, realizado com nove acadêmicos da área da saúde. Os dados foram coletados por meio de entrevistas guiadas pela seguinte pergunta: quais experiências o Programa PET-Saúde proporcionou na sua vida acadêmica? A apreciação dos dados foi realizada por meio Análise de Conteúdo. Os resultados foram elucidados em três categorias: aprendizados adquiridos com o PET-Saúde; facilitadores para EIP e desafios no processo de ensino-aprendizagem da EIP.  Dessa forma, o Programa se apresentou de forma assertiva na graduação dos participantes, trazendo consigo a importância da formação profissional voltada para EIP para um atendimento integral e humanizado, além de proporcionar o trabalho em equipe, troca de saberes compartilhados e desenvolvimento pessoal. Em contrapartida, ainda há desafios para sua implementação nas matrizes curriculares.

Palavras-chave: Capacitação de Recursos Humanos em Saúde; Educação Interprofissional; Equipe de Assistência ao Paciente; Estudantes; Práticas Interdisciplinares.

 

INTRODUÇÃO

A Educação Interprofissional, consiste em “ocasiões em que membros ou estudantes de duas ou mais profissões aprendem com os outros, entre si e sobre os outros para aprimorar a colaboração e qualidade dos cuidados e serviços”, sendo conhecida como uma atividade interativa que tem por finalidade valorizar a qualidade da atenção à saúde.1 A EIP tem a funcionalidade de auxiliar no processo de reorientação da formação e do trabalho em saúde, contribuindo para as mudanças na colaboração interprofissional e melhorias na assistência aos usuários.2,3

Desde a década de 1990, o Reino Unido vem se empenhando em integrar programas de educação interprofissional (EIP) em seus cursos de graduação e pós-graduação, segundo um estudo recente. A EIP tem ganhado atenção global, impulsionada pela iniciativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), com o objetivo de aprimorar a formação em cuidados de saúde através da colaboração em equipe.4

Na região das Américas, especificamente na América Latina e no Caribe, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) tem promovido a EIP na formação dos profissionais de saúde, reconhecendo-a como uma abordagem eficaz para fortalecer os sistemas de saúde.4 Em 2010, a OMS promoveu o Marco para Ação em Educação Interprofissional e Prática Colaborativa, no qual comprovou por meios de evidências científicas após cinco décadas de estudos, que uma educação interprofissional eficiente promove uma prática colaborativa eficiente, além de trazer ideias em como implementá-la em cada contexto.5

No Brasil,  o movimento da medicina preventiva, com os debates acerca do trabalho em equipe, como a formulação de políticas públicas e iniciativas governamentais têm exigido que os profissionais estejam mais bem preparados para atuar frente às mudanças demográficas e epidemiológicas, portanto é necessário repensar à formação em saúde.6 Nesse sentido, a Educação Interprofissional (EIP) surge como uma ferramenta para potencializar o processo de trabalho em equipe e o fortalecimento dos sistemas de saúde, em especial ao Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente quanto à integralidade.7

Dessa maneira, para que seja implantado o trabalho interprofissional, é importante que a EIP seja garantida em todo o processo de formação. Assim a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), instituída em 2004, torna-se uma aliada para auxiliar a implementação dessa prática, uma vez que tem por objetivo atuar no processo de formação dos profissionais e transformar as práticas do trabalho em saúde.6,7

Apesar de reconhecida a importância e a efetividade da EIP em saúde, ainda hoje, a formação e os processos de educação permanente ainda caminham em uma lógica uniprofissional. Nesse sentido, os estudantes da área da saúde iniciam sua trajetória acadêmica em disciplinas oferecidas por docentes do mesmo campo do conhecimento e, mesmo quando abordam conteúdos interdisciplinares, as turmas são compostas por estudantes do mesmo curso.8,9 O mesmo se estende por toda a graduação em saúde, de modo que, recorrentemente, os estágios, práticas de pesquisa e extensão, bem como outras experiências formativas, ainda são vivenciadas por estudantes e docentes da mesma profissão.10 Desse modo, quando inseridos em equipes multidisciplinares, há uma dificuldade para trabalharem em conjunto, ocasionando falha na comunicação e na assistência ao paciente.

Além disso a Resolução N° 569 de 8 de dezembro de 2017, também fomenta tal prática durante a formação acadêmica, por meio da inserção dos estudantes da área da saúde em ambientes e cenários do SUS, com o intuito de incorporar, no processo de ensino, uma aproximação das políticas públicas de saúde, atuação junto ao trabalho em equipe interprofissional e a integração ensino-serviço-gestão-comunidade.11

Cada vez mais, as Instituições de Ensino Superior (IES) têm sido incentivados a ofertarem atividades que visam complementar a formação acadêmica e favorecer o aprimoramento de competências comuns e colaborativas. A partir de uma vivência prática junto à comunidade em serviços de saúde, o aluno tem a possibilidade de adquirir conhecimento de modo compartilhado junto a outros profissionais e alunos de diferentes áreas da saúde.6,11

Dentre essas ações destaca-se o Programa de Educação para o Trabalho em Saúde (PET-Saúde) que, desde 2010, tem sido um importante recurso para inserção social e para o fortalecimento da tríade ensino, pesquisa e extensão e integração ensino-serviço-comunidade. Para o desenvolvimento e planejamento de suas ações são submetidos projetos pelas IES públicas e privadas, sem fins lucrativos, com cursos de graduação na área da saúde, a editais temáticos do Programa em parceria com as Secretarias de Saúde (Estaduais, Distrital e Municipal).3

Nesse sentido, em 2018, foi lançado o edital para a Seleção dos Projetos PET-Saúde, sendo a nona edição com foco na EIP e nas práticas colaborativas (PC), para alunos, professores e profissionais da saúde, em todo território nacional. Essa edição surgiu com o propósito de auxiliar na reorientação do processo de trabalho, bem como para facilitar o trabalho em equipe e a aprendizagem com outras profissões.3

Assim, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus Campo Grande-MS foi contemplada e desenvolveu suas atividades no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS). Dessa forma, questiona-se: as atividades do PET foram significativas para o processo de ensino e aprendizagem dos integrantes durante seu processo formativo na área da saúde? Assim, essa pesquisa tem por objetivo descrever a colaboração do PET-Saúde edição Interprofissionalidade na formação acadêmica dos estudantes.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa, baseada em dados primários, vinculada ao projeto matricial “Interprofissionalidade na percepção de discentes, docentes, profissionais e usuários do Sistema Único de Saúde”. Para o desenvolvimento, seguiu-se as diretrizes do instrumento Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research – COREQ.12

O estudo foi desenvolvido com os acadêmicos dos cursos de Enfermagem, Medicina, Fisioterapia, Nutrição, Odontologia e Psicologia, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus Campo Grande-MS, que participaram do PET-Saúde, edição Interprofissionalidade, nos anos de 2018 a 2020.

O PET contempla os estudantes com a função de desenvolver vivências e produzir conhecimentos, os professores com função de tutoria acadêmica para orientações das vivências, e profissionais da saúde, com função de preceptoria e atuação direta nos serviços em saúde. O binômio educação e trabalho norteiam seu processo de execução, a fim de articular os serviços e as universidades para suprir as demandas de saúde da comunidade.3

Para o desenvolvimento da pesquisa, inicialmente solicitou-se para a coordenação do PET-Saúde uma lista com a relação dos discentes que participaram do Programa no período de 2018 a 2020. A partir disso, procedeu-se ao contato individual da pesquisadora secundária via e-mail e/ou telefone celular, com o intuito de explanar sobre o objetivo da pesquisa e efetuar o convite para colaboração.

 Para a seleção dos participantes, considerou-se uma amostra intencional, com os seguintes critérios de inclusão: discente bolsista ou voluntário do PET-Saúde, regularmente ativo nas atividades dos grupos tutorias, com no mínimo um ano de permanência e que aceitaram voluntariamente a participação na pesquisa. Desse modo, dos 14 acadêmicos contatados e elegíveis, cinco não aceitaram participar das entrevistas por motivos pessoais, sendo excluídos da amostra.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de abril a junho de 2021, período pandêmico ocasionado pelo novo coronavírus Sars-cov-2, causador de uma doença infecciosa, conhecida como coronavirus disease-19, a COVID-19. Por conta disso, foi realizada de forma online pela pesquisadora secundária, acadêmica de fisioterapia e ligada ao projeto matricial, a qual possuía treinamento prévio acerca de pesquisas qualitativas e não tinha nenhuma relação com os participantes e com o projeto em estudo.

A coleta contou com duas etapas via online. Primeiramente, foi encaminhado ao discente um formulário de identificação com dados sociodemográficos, preparado por meio da ferramenta Google Forms. Após o preenchimento, foi realizado o agendamento da entrevista pela plataforma Google Meet, conforme a disponibilidade do pesquisador e do entrevistado. Para a elaboração das entrevistas, foi realizado um teste piloto, ou seja, uma fase de pré-teste das entrevistas com dois participantes testes, com intuito de examinar a sensibilidade do questionário perante ao objetivo do estudo. No entanto, o instrumento demonstrou-se adequado, e não sofreu alterações.

Assim, as entrevistas foram realizadas individualmente por meio de um instrumento semiestruturado pré-estabelecido, com a questão norteadora: quais experiências o Programa PET-Saúde proporcionou na sua vida acadêmica? O entrevistado tinha permissão para explanar livremente sobre o assunto abordado, contribuindo com novas ideias e questionamentos. Ressalta-se que não houve devolução das entrevistas para correções.

As entrevistas tiveram aproximadamente 30 minutos e foram audiogravadas, conforme consentimento do participante, e transcritas na íntegra com a utilização da ferramenta We Captioner, sendo duplicadas em documento individualizado no Microsoft Word. Para análise dos resultados realizou-se Análise de Conteúdo proposta por Bardin, na qual o diálogo é visto como uma forma de expressão do sujeito e por meio dele, buscamos o entendimento do pensamento do indivíduo. Dessa maneira, seguiu-se as etapas: pré-análise dos discursos, exploração do material, com a seleção dos núcleos de sentido dos discursos e posterior categorização conforme as semelhanças e diferenças de cada um, tratamento dos dados e inferência dos resultados.13

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A fim de preservar o anonimato dos entrevistados, os discursos foram identificados pela letra “E” correspondente ao entrevistado, seguido de um número arábico, correspondente à sequência da realização das entrevistas e a idade do entrevistado (exemplo: E1, 21 anos). A pesquisa teve início após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob Certificado de Apresentação de Apreciação Ética n° 22845619.1.0000.0021 e parecer n° 3.780.149, em conformidade à Resolução nº 466 do CNS, de 12 de dezembro de 2012.

RESULTADOS

Compuseram essa pesquisa nove participantes que, por ocasião do estudo, dois haviam concluído a graduação e os demais cursavam os últimos dois anos. A maioria dos entrevistados participaram do programa PET-Saúde durante dois anos, ou seja, até o fim da edição, sendo que apenas um permaneceu por um ano e 10 meses devido a motivos pessoais. Os cursos de graduação incluíram: farmácia, psicologia, fisioterapia, odontologia, nutrição e medicina. A idade média dos participantes foi de 23 anos e sendo apenas um do sexo masculino. Para um melhor entendimento dos resultados encontrados, estes foram divididos em três categorias temáticas: 1) Aprendizados adquiridos no PET-Saúde, 2) Facilitadores para educação interprofissional e 3) Desafios no processo de ensino aprendizagem da EIP, sendo explanadas a seguir.

APRENDIZADOS ADQUIRIDOS NO PET-SAÚDE

Os entrevistados foram unânimes em afirmar que, para eles, o Programa PET-Saúde trouxe novas experiências, além de oportunidades de aprofundar, por meio da prática e das vivências nos serviços, em conhecimentos técnico-científicos, apresentados em sala de aula. Nessa categoria, é perceptível a mudança de postura, no âmbito profissional, para os acadêmicos da área da saúde, bem como o reconhecimento de que o projeto contribui para o desenvolvimento de competências e habilidades indispensáveis para o trabalho interprofissional em saúde. No diálogo E8 e E3, é evidenciada a importância e o diferencial da interprofissionalidade, contribuindo tanto para os estudantes e equipe de saúde, mas principalmente para a vida dos usuários dos serviços nos quais estão inseridos.

O PET foi interessante porque mostrou que existe essa diferença do multi para o interprofissional. (E8, 23 anos)

Toda vez que eu entro em alguma coisa, eu falo da importância da interprofissionalidade, como que isso agrega no atendimento ao paciente e sai daquele modelo tradicional. (E3, 23 anos)

Os estudantes também destacaram as contribuições do PET-Saúde Interprofissionalidade para crescimento pessoal e empatia entre as diferentes profissões, permitindo romper com barreiras que, muitas vezes, comprometem a construção de práticas colaborativas. Para os participantes, por meio da equipe interprofissional, é possível entender que cada um tem o seu espaço e sua função para uma assistência de qualidade (diálogo E1). No entanto, apesar das singularidades entre as profissões, os entrevistados passaram a compreender melhor a perspectiva de outros atores, permitindo uma melhor comunicação e integração com esses sujeitos. Ainda segundo os relatos a interprofissionalidade proporciona uma movimentação, ou seja, sair do comodismo da sua profissão para aprender com o outro, como forma de agregar conhecimentos (diálogo E2), como pode ser visto nos diálogos a seguir:  

Eu aprendi a olhar para outra profissão com um pouco mais do olhar do profissional daquela profissão […] agora eu consigo olhar melhor para a profissão da odonto com olhar de um dentista, consigo olhar mais pra profissão da enfermagem com olhar do enfermeiro, consigo entender melhor as dores de cada profissão. [...] quando a gente consegue visualizar, entender e se colocar no lugar do outro profissional, a gente consegue ter uma relação melhor. (E1, 21 anos)

Acaba que a gente sai da nossa área, da nossa zona de conforto. [...] A gente pode estar sozinho com o paciente, mas aquele conhecimento que a gente aprendeu sobre uma educação alimentar, sobre questões voltadas para a fisioterapia ou da enfermagem, acaba somando ali na nossa abordagem com o paciente. (E2, 25 anos)

Por fim, alguns entrevistados destacam a magnitude do Programa PET-Saúde como um projeto de extensão, visto que na graduação não vivenciam a questão de interprofissionalidade e o atendimento integral humanizado, com o olhar para além da doença. Nesse sentido, os participantes reconhecem a importância do PET-Saúde, enquanto estratégia pedagógica, capaz de potencializar os processos de formação de profissionais de saúde, atentos às demandas do SUS, e orientados pela EIP. Ademais, eles também relatam que a experiência de vivenciar o projeto, na graduação, possibilitou o desenvolvimento pessoal, sobretudo no que se refere ao trabalho em equipe.

Foi uma experiência única, porque é um conteúdo que nós não temos vivência na faculdade de odontologia [...] foi importante para abrir os horizontes e entender que a odonto precisa realmente estar inserida nesse contexto do interprofissional para atender com outras áreas, porque nós não tratamos só de dente, nós tratamos de pessoas. (E4, 25 anos)

Eu acho que foi uma experiência enriquecedora em todos os sentidos, tanto no desenvolvimento pessoal, que eu sou muito tímida… pude desenvolver isso através dos projetos. (E6, 23 anos)

FACILITADORES PARA A EDUCAÇÃO INTERPROFISSIONAL

Ao participar do programa PET-Saúde, os discentes afirmam que aprenderam e estudaram sobre o conceito, mas sobretudo a prática da Educação Interprofissional. Assim, compreenderam, por meio de experiências e práticas, que existem maneiras de facilitar o processo de aprendizado para EIP e o trabalho em equipe, assim como a sua inserção no meio acadêmico e profissional. Nesse sentido, destacam-se os diálogos dos entrevistados E2 e E8, que acreditam na necessidade de novos estudos e pesquisas para a consolidação dessa formação.

Uma outra questão muito importante também para o trabalho interprofissional, é que surjam novas pesquisas para fortalecer o nosso conhecimento, nossa prática. (E2, 25 anos)

Tem que ter mais pesquisa para as pessoas saberem mais o que é, para se ter um pouco mais de conhecimento e poder divulgar de uma forma mais assertiva entre as pessoas. (E8, 23 anos)

Na mesma direção, os entrevistados E4 e E5 chamam a atenção para a educação como facilitadora da EIP. No entanto, os entrevistados também reconhecem que a forma que os profissionais atuam, em consequência, do padrão de formação que lhes foi ofertado, deixa a desejar, se distanciando da proposta da EIP. De tal maneira, questionam o processo de reorientação na graduação em saúde como também a matriz curricular, assim, enfatiza-se que a interprofissionalidade deveria ser trabalhada desde o início dos estudos e como uma disciplina obrigatória dentro dos cursos da área da saúde.

Outra coisa que a gente precisa ter para desenvolver as práticas interprofissionais é a educação. São gerações e gerações que foram formadas, e hoje em dia, não sabem como a interprofissionalidade funciona. Então a gente precisa de instrução, de uma reciclagem para os profissionais que já estão formados e para aqueles profissionais também que ainda estão na faculdade. Para que eles comecem a aprender sobre a interprofissionalidade desde cedo [...] eu acho que para todos os profissionais terem acesso a esses conceitos e a essa nova forma de trabalhar precisa ser obrigatório. (E4, 25 anos)

Poderia ter uma matéria todo mundo junto. Acho importante uma matéria com todo mundo junto de Saúde da Família, porque todos os cursos da saúde atendem no SUS e não tem nenhuma matéria, alguma coisa assim, que façam para todas as profissões. Quando você chega lá, você vê que vai depender dos outros pra fazer seu trabalho. (E5, 22 anos)

Além disso, alguns entrevistados destacam o professor e o preceptor como facilitadores para as experiências vivenciadas no PET-Saúde/Interprofissionalidade. Em suas falas é possível perceber o papel estratégico dos docentes, visando romper com as propostas tradicionais de ensino, reorientando o fazer pedagógico, para a EIP, possibilitando que o aprendizado ocorra de maneira mútua, pelo encontro dos saberes com intuito de atender os pacientes com resolutividade e qualificação.

Porque a minha professora da nutrição, que era a preceptora, lutou muito no meu curso pra ter esse horário livre para o pessoal da nutrição conseguir participar do PET. É um facilitador porque eles lutam para que aquilo aconteça, para que a gente tenha essa experiência. (E5, 22 anos)

Na questão acadêmica, os professores devem também estar dispostos a trazer essa educação para a gente, a conversar com a gente sobre isso. [...] A faculdade deve relatar mais sobre a importância desse projeto, conversar mais com os alunos sobre isso. Acho que é algo que podia facilitar. (E6, 23 anos)

Como visto anteriormente, infelizmente, a matriz curricular não comporta a função de ofertar o trabalho em equipe interprofissional. Dessa forma, outros entrevistados relatam a importância de eventos e projetos de extensão voltados para o tema interprofissionalidade como facilitadores do processo ensino-aprendizagem. Percebe-se, portanto, que, por meio de projetos de ensino, extensão e pesquisa, a formação universitária poderia ser complementada, garantindo uma formação em saúde pautadas pela interdisciplinaridade e interprofissionalidade:

Atualmente a gente vê muito mais palestras, congressos sobre interprofissionalidade. Então acho que é um tema que está ganhando mais evidência agora. (E5, 22 anos)

Através de um projeto aqui, um projeto ali, possibilitando maior participação de outros alunos, de outros professores. (E9 20 anos)

Se eu não tivesse tido acesso ao PET, eu não teria contato, eu não saberia o quanto é importante e eu não teria a necessidade de querer uma disciplina sobre interprofissionalidade.  (E1, 21 anos)

DESAFIOS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EIP

Em contraste com a categoria anterior, diante das experiências vividas no PET, os participantes também identificaram os desafios encontrados durante o processo de ensino-aprendizagem. Assim, surgem os pontos positivos e negativos. Segundo a maioria dos entrevistados, o que mais atrapalha é o modelo de formação uniprofissional, ainda pautado em perspectivas tradicionais de ensino. Segundo os entrevistados, essa formação, por sua vez, voltada para o modelo biomédico, ainda é a mais recorrente, em suas trajetórias, por meio da qual os estudantes aprendem de forma independentes, com as disciplinas e/ou conteúdos isolados, específicos para cada curso da área.

É ainda o modelo biomédico, ele é o que mais atrapalha, porque o modelo biomédico está enraizado nos profissionais mais antigos e na população. [...] A formação dos profissionais é mais voltada para a uniprofissionalidade, então, ainda falta a formação interprofissional nas graduações, nos cursos dos profissionais de saúde. (E1, 21 anos)

O estudo tradicional é muito fragmentado no sentido das disciplinas e dos cursos, não se conversa muito e quando a gente vai para o campo, pra prática, a gente sente essa necessidade pensando no contexto de trabalhar na saúde [...] acaba criando obstáculos para a gente ter um atendimento mais complexo e mais resolutivo para o sujeito, para o paciente como um todo. (E2, 25 anos)

O que falta é a faculdade promover esse intercâmbio de matérias em si. (E5, 22 anos)

Eu acho que um dos desafios entra na questão formativa mesmo, das matrizes curriculares dos cursos. O modo como a gente é ensinado, de formação e trabalho também, acaba afetando muito no desenvolvimento do trabalho entre as profissões. O sistema fragmenta muito, e isso impossibilita esse contato, essa conversa entre os profissionais. Acho que a formação e o serviço são os que mais atrapalham a questão da interprofissionalidade. (E6, 23 anos)

Existe muita dificuldade na própria graduação de colocar o inter entre os cursos. Uma resistência talvez do próprio curso, do pessoal mais antigo. (E8, 23 anos)

Os estudantes já são ensinados cada um na sua caixinha [...] como que depois a gente se forma e tem que trabalhar em equipe, sendo que a gente nunca teve essa experiência durante a graduação? A gente não sabe como fazer isso. (E9, 20 anos)

Nesse sentido, segundo os entrevistados, um ponto importante é cumprir as políticas públicas voltadas para a educação de ensino superior e educação permanente. O E4 traz a questão que o curso de odontologia, por exemplo, não proporciona uma formação para atuar diretamente no SUS, com uma equipe com vários profissionais diferentes da área da saúde. Além disso, o E1 reforça que a dependência de cenários políticos não é o melhor caminho para a implementação da EIP.

A faculdade de odontologia, infelizmente, é um curso muito elitista. Então você é formado dentista para trabalhar em consultório, você não é formado dentista para trabalhar no SUS. Um dentista de consultório trabalha sozinho, só ele mesmo, ali e pronto. Quando você vai para uma equipe interprofissional são várias pessoas, com visões totalmente diferentes das suas. (E4, 25 anos)

Se for depender muito do cenário político para conseguir instituir esse tipo de formação na educação dos profissionais não vai rolar, não vai acontecer tão cedo. (E1, 21 anos)

Além de questões políticas, destaca-se nas falas dos entrevistados a questão social em relação às diferentes profissões. Segundo eles, existe um preconceito tanto da sociedade quanto dos alunos em relação aos cursos de graduação, como por exemplo, a profissão do médico, uma vez que muitas pessoas acreditam que ela seja superior ao profissional da enfermagem e demais trabalhadores da saúde. Ainda, nota-se uma disputa entre os próprios grupos acadêmicos que participaram do programa, como evidenciado por alguns entrevistados:

Infelizmente a gente vive em uma sociedade que aprendeu a hierarquizar as coisas e ter uma profissão como mais importante que a outra. (E4, 25 anos)

A gente tem uns estigmas em relação a alguns cursos, tem alguns preconceitos para trabalhar com alguns cursos. [...] eu percebia algumas situações de competição de qual grupo vai se destacar mais, fazer mais coisas que os outros, se mostrar melhor. (E9, 20 anos)

Por fim, alguns entrevistados retratam a dificuldade que existe em trabalhar em conjunto com profissões diferentes, sendo essa uma situação que afeta a EIP. Os acadêmicos explanam sobre a questão de atrapalhar o outro em suas funções, ou seja, invadir o espaço alheio sem intenção, o que é um grande desafio. No entanto, trazem a importância do respeito, da comunicação e da troca de ideais, de modo que a não adesão a esses conceitos torna-se um obstáculo.

Por mais que seja muito bonito falar que tem que trabalhar com outra profissão, ao mesmo tempo, é muito difícil você não invadir o espaço do outro e entender a posição de cada um… é difícil você saber ouvir o outro, de outra profissão, que tem o que falar diferente de você. (E3, 23 anos)

Essa questão de não invadir a área do outro é uma linha muito tênue e foi o que a gente observou no nosso grupo… porque, por exemplo, é uma competência comum todo profissional saber instruir o paciente sobre higiene oral… Só que o exame e a instrução real de como isso deve ser feito é do dentista. (E4, 25 anos)

Acho que o maior desafio é certas profissões entenderem qual é o papel das outras profissões, porque se não uma “passa por cima da outra” e vira um caos. (E5, 22 anos)

Saber trabalhar a questão do diálogo, saber respeitar o limite de cada um, mas também conseguir trocar uma ideia… São questões que afetam a educação interprofissional. (E9, 20 anos)

DISCUSSÃO

A EIP tem como princípio preparar os estudantes, especialmente os de cursos da saúde, para trabalhar ostensivamente em conjunto, promovendo uma experiência de forma interativa com pessoas de outras profissões.11 Essa interação é chamada de colaboração interprofissional, que pode ser compreendida pela coparticipação das responsabilidades, parceria, delegação das funções e objetivos, poder e ações que ofereçam ao indivíduo respostas às suas necessidades em saúde. A colaboração interprofissional foi evidente em todos os diálogos dos entrevistados deste estudo, principalmente no E8 e E3 (categoria 1).14 Em consonância, um estudo realizado com enfermeiros da Rede de Atenção Básica da cidade de Palmas-TO, evidenciou que as práticas colaborativas promovem maior agilidade na resolução de problemas complexos e impulsionam os vínculos entre os profissionais da equipe.15    

Neste cenário, é crucial reconhecer o imenso valor das abordagens multiprofissionais, interdisciplinares, interprofissionais e intersetoriais para entender plenamente a relação entre trabalho e saúde em sua totalidade. Portanto, torna-se essencial compreender o funcionamento das equipes de saúde e refletir sobre os papéis profissionais e intersetoriais, como ilustrado no diálogo da categoria E1. Isso é importante para que se possa encontrar soluções para problemas e negociar eficientemente nas decisões relacionadas à saúde.16

Neste estudo foi observado a relevância da interprofissionalidade no aprendizado mútuo, bem como a importância da comunicação eficaz para aprimorar a assistência à saúde. A literatura aponta que, para a atuação da prática colaborativa, existe uma integração de conhecimentos, valores, habilidades e atitudes que possibilitam esse trabalho conjunto entre eles e com os indivíduos, família e comunidade, com a finalidade de construir um sistema de saúde centrado na segurança do paciente, e melhorar os resultados de saúde.14 De fato, a colaboração e comunicação entre os profissionais interfere diretamente nas percepções sobre a atenção ao paciente. Estudos revelam o tamanho do impacto negativo, principalmente quando há falhas na colaboração, podendo ocasionar estados graves e até mesmo a morte.2

Vale ressaltar que a equipe interprofissional necessita se basear em três aspectos importantes: parceria, cooperação e coordenação, assim para que o trabalho em equipe ocorra é necessário que profissionais compartilhem uma identidade de equipe. Logo, é perceptível o reconhecimento de cada profissional com seus papéis - conforme os diálogos E1 e E2 (categoria 1), os objetivos de cada um, as ações que devem ser realizadas em equipe, e a colaboração integrada e ao mesmo tempo interdependentes em todas as condutas assistenciais necessárias.17

O diálogo do entrevistado E4 e E6 (categoria 1), respectivamente, alegam a importância do contato interprofissional para o tratamento individual dos pacientes, e o desenvolvimento pessoal e profissional. No que tange às relações interpessoais, a habilidade de criação de vínculos é o um dos determinantes para uma colaboração efetiva e de qualidade. Tal cenário, dependendo do tempo de trabalho na mesma equipe, proporciona a construção do respeito, da confiança e da acessibilidade, para que assim haja comunicação uns com os outros.18 Em consonância, um estudo cita que o grau de interação entre as profissões, está vigorosamente ligado com o afunilamento das relações interpessoais e a abertura dos canais de comunicação no decorrer do desenvolvimento do processo de trabalho.19

Outrossim, no Brasil, as diretrizes curriculares da formação em saúde, recomendam-se vigorosamente a integração das áreas, das disciplinas, dos conteúdos e das profissões. Em contrapartida, o diálogo do entrevistado E5 (categoria 2) refere de forma explícita que isso não ocorre, e que poderiam ter conteúdos em conjunto. Os estudos comprovam a potência da EIP como uma estratégia educacional, adotá-la seria uma ação formativa de grande valia, seja no currículo inteiro ou parcialmente, podendo ocorrer em ações de extensão ou pesquisa. A questão é ter a intencionalidade do planejamento educacional, da implementação e da avaliação, na perspectiva da interprofissionalidade. Em contrapartida, atender essas questões na íntegra, é um desafio para os cursos superiores em saúde.20

Estudiosos trazem que na graduação dos cursos das áreas da saúde permeiam muitos empecilhos, que dificultam o processo de formação. Dentre eles, destacam-se as adversidades nos projetos políticos pedagógicos, modelo biológico e hospitalocêntrico, professor como transmissor e aluno como receptor passivo de informações, rompimento dos currículos em relação às necessidades da comunidade e distanciamento do processo de trabalho do SUS.21 Na categoria de Desafios no processo de ensino-aprendizagem da EIP, temos esses desafios muito bem evidenciados nos diálogos dos entrevistados E1, E2, E6 e E9.

Nesse sentido, percebe-se que os modelos em desenvolvimento nas instituições ainda demonstram forte fragmentação no ensino, o que demanda novas formas de organização e de integração desde o início da formação.21 O diálogo do entrevistado E4 (categoria 2) traz a necessidade de uma reorganização da matriz curricular, além de ensinar interprofissionalidade como uma educação permanente aos profissionais atuantes.

Considera-se incipiente o status da EIP e atividades voltadas a práticas colaborativas, sobretudo em disciplinas obrigatórias durante a formação dos acadêmicos. Após uma análise na matriz curricular do curso de medicina e enfermagem de uma universidade de Manaus, percebeu-se que a interprofissionalidade e sua prática são desconhecidas pelos discentes, visto que não há disciplinas que agrupam outros cursos, muito menos a construção do pensamento crítico coletivo sobre a assistência integral ao paciente.22 O artigo conversa com o estudo presente, como evidenciado no diálogo do E1 (categoria 2), no qual relata que apenas o projeto de PET proporcionou o conhecimento a respeito da interprofissionalidade.

Percebe-se, assim, que os cursos de graduação, ainda são voltados para uma formação especialistas e individualistas, contribuindo para construção ineficiente do profissional em formação, sem habilidades para aprender uns com os outros. Diante disso, a implantação da DCNs ainda é um desafio no que diz respeito à integração curricular, a variação de cenários de aprendizagem, além da articulação com o Sistema Único de Saúde (SUS), como também para preservação da dimensão ética, humanista, crítico-reflexiva.23

É fato que todo o processo de reorientação e mudança curricular é dificultoso, afinal, trata-se de uma cultura uniprofissional e independente de longos anos, tanto como estudante da graduação como profissional no trabalho. No entanto, ao mesmo tempo, a EIP vem tomando força há alguns anos. Para que ela ocorra, é necessário mais do que reunir estudantes de cursos diferentes em atividades conjuntas, como ofertar uma mesma disciplina. De tal maneira, os recursos cognitivos, afetivos e psicomotores dos estudantes precisam ser estimulados ativamente e as estratégias serem oportunas para o compartilhamento de experiências, conceitos e atitudes voltadas para o cuidado do sujeito.

Ressalta-se a magnitude da utilização de metodologias ativas de ensino-aprendizagem que oferecem uma experiência colaborativa, interativa e significativa, que proporciona o desenvolvimento de competências indispensáveis para uma colaboração eficaz. Sendo uma marca característica da EIP, a utilização de métodos ativos, como: Aprendizado baseado em simulações; Aprendizado baseado em problema; Aprendizado baseado na prática clínica; Aprendizado baseado em seminário; Aprendizado baseado em observação (shadowing); Aprendizado E-learning (ex.: discussões online); Aprendizado híbrido (E-learning com outro método tradicional).24

Concomitantemente, têm-se a importância da preceptoria e o desenvolvimento educacional aos docentes, para a atuação adequada e alinhada às concepções da interprofissionalidade, como forma de mediar o processo de formação. Esse progresso deve-se amparar no fortalecimento de competências que incorporem tanto conhecimentos prévios e comprometimento do docente com a EIP, como a intenção para o trabalho em equipe interprofissional, flexibilização e criatividade para vivenciar as situações de maneira compartilhada com os estudantes.20

Além disso, afirma que um papel de suma importância do docente e do preceptor é a facilitação da aprendizagem, como demonstrado nos diálogos dos entrevistados E5 e E6 (categoria de Facilitadores). Os preceptores devem atuar como mediadores dos processos de ensino-aprendizagem, de maneira que facilitem o diálogo e promovam a resolução de conflitos e problemas que surjam no contexto do trabalho. A formação dos docentes e preceptores devem ser desenvolvidas de forma oportuna para adquirir experiências interprofissionais efetivas, a fim de estimular a participação e a adesão dos estudantes durante o processo das dinâmicas de grupo. Assim, se faz necessário promover vínculos e relações interpessoais entre os estudantes e todos os profissionais da saúde, como também os usuários, as famílias e as comunidades.6,20

Para mais, assegura-se que no Brasil, existem muitos estudos referentes às teorias do trabalho em equipe e seus conceitos. No entanto, essas produções não informam claramente essas concepções e definições do trabalho interprofissional, não expondo resultados de pesquisas empíricas. Os estudos de revisão internacionais, também apontam para a escassez de artigos que trazem um modelo conceitual bem desenvolvido no que diz respeito ao trabalho em equipe e interprofissionalidade.25

Dessa maneira, ressalta-se a importância de produzir novas evidências baseadas em relatos de experiências e observação, em relação a efetividade e a eficácia do trabalho interprofissional em equipe para o fortalecimento desse aprendizado, conforme os entrevistados E2 e E8 (categoria 2), que explicam a relevância de novos estudos e pesquisas para a consolidação da formação de maneira interprofissional. Além disso, esses estudos também citam que os resultados dos estudos que envolvem a EIP, apresentam uma melhor qualidade na assistência integral ao paciente, mesmo identificadas limitações na qualidade dessas evidências.25

Entende-se que, a educação interprofissional, além de possibilitar o conhecimento em conjunto entre os estudantes/profissionais da área da saúde, oferece promoção do bem-estar social e individual como citado nas entrevistas. Por conseguinte, aprimorando seus atributos e habilidades para um trabalho coletivo e em equipe.2 Em conformidade, estudos relatam que a participação em projetos é de grande valia para os acadêmicos sendo uma experiência positiva, desenvolvendo autonomia e proatividade no campo acadêmico. Geralmente, esses tendem a se destacar entre os demais, podendo colher frutos positivos em sua carreira profissional.26

O próprio PET-Saúde/Interprofissionalidade, uma política indutora de formação em saúde introduzida como projeto de extensão, impulsionou a educação interprofissional com o apoio e acompanhamento de 120 projetos em todo território nacional, além da oferta de 6 mil bolsas para os participantes estudantes, docentes ou profissionais. Essa ação possibilitou o encontro e compartilhamento de conhecimentos entre os variados projetos, e ainda, eventos como o 1º Seminário Nacional de Experiências na Educação Interprofissional, proporcionando um universo de muitas reflexões e distribuição de saberes.11,20

Compreende-se, então, que quando vivenciamos experiências desafiadoras, principalmente no âmbito da aprendizagem, causam um maior impacto na vida do indivíduo. Consequentemente, traz consigo um maior aproveitamento ao indivíduo e melhor preparo de atuação profissional. Além disso, reforça-se que os projetos de pesquisas e extensão que propõe a integração de diversos, têm maior contribuição futuramente em sua profissão.16 Essa magnitude é comprovada nos diálogos dos entrevistados E5 e E9 (categoria 2). Ademais, quando a construção do conhecimento acontece de forma dialógica e com respeitos às diferenças de cada membro, proporciona um trabalho em equipe com a oferta de serviço de saúde de qualidade para o usuário.

A existência de políticas indutoras da formação em saúde, assim como o mundo do trabalho, que demanda criatividade, proatividade e reflexão pelos profissionais, são facilitadores desse processo ensino-aprendizagem - declarado pelo entrevistado 4. Para mais, projetos e ações extensionistas são aberturas de possibilidades para a institucionalização da EIP, garantindo que os estudantes aprendam e trabalhem juntos a outras profissões da saúde na perspectiva de desenvolver competências colaborativas, conforme evidenciado nos diálogos da maioria dos entrevistados. Assim, cabe às IES tomarem partido e estruturar um projeto político pedagógico para adoção da EIP que agregue as estimativas da extensão universitária.6,20

Outro ponto importante que envolve o processo de aprendizagem da EIP, é o que traz o entrevistado 4 (categoria 3), sobre a hierarquização das profissões. Estudos afirmam que as estratégias de ensino orientada para práticas isoladas para a construção da identidade profissional, provoca uma abertura no processo de trabalho para hierarquização e legitimação das profissões. Os próprios entrevistados E3, E5 e E9 trazem isso de forma implícita em suas falas na categoria de Desafios do processo de ensino-aprendizagem da EIP. Essa situação decorre do tribalismo das categorias existentes nos serviços de saúde como também presente no processo de formação, que inviabiliza a comunicação e prática coletiva, desenvolvendo identidades profissionais rigidamente separadas.27, 28

Por fim, é preciso destacar que o Brasil vive um momento propício para desenvolvimento de novas propostas pedagógicas de formação em saúde, como é o caso dos Bacharelados Interdisciplinares que, desde sua implementação, vem demonstrando resultados positivos e favoráveis à EIP.29 Além disso, com o Ministério da Saúde, por meio da Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018, exigiu que os cursos superiores brasileiros, oferecessem 10% de sua carga horária em atividades de extensão.6 No campo da saúde, essa estratégia pode se consolidar como uma importante oportunidade para construção de práticas de educação e trabalho interprofissionais, bem como projetos interdisciplinares e intersetoriais que tomem as demandas locais e regionais do SUS, como estratégias de uma formação inovadora e, de fato, de qualidade.

RELEVÂNCIA DO ESTUDO

A Educação Interprofissional vem sendo discutida nos últimos trinta anos, mas ainda possui muitos desafios para ser inserida na formação em saúde. Estudá-la, cada vez mais, nos faz perceber a sua importância e eficiência diante da assistência integralizada ao paciente. A EIP se apresenta de forma positiva quando se considera a mudança do perfil epidemiológico populacional e a necessidade de aprimoração da segurança do paciente, tendo em vista as fragilidades no cuidado como: fragmentação da assistência, erros na execução de procedimentos, falhas na comunicação, gastos excessivos produzidos por práticas isoladas. Este estudo permitiu demonstrar que a EIP faz diferença na formação daqueles que têm a oportunidade de experimentá-la, aprendê-la, permitindo um melhor aprimoramento profissional e pessoal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, evidencia-se que o Programa do PET-Saúde, edição Interprofissionalidade, foi de grande valia para o aprendizado dos acadêmicos participantes. Esses aprendizados, por sua vez, incluem a importância da EIP para a formação dos profissionais, e para a assistência integral e humanizada dos pacientes. Além de proporcionar o trabalho em equipe, a troca de saberes compartilhados e o desenvolvimento pessoal. Também promoveu a empatia entre as profissões e entendimento que cada um possui suas funções.

O processo de ensino-aprendizado da EIP, em conformidade com os alunos, apresenta facilitadores como a relevância dos docentes e preceptores, os projetos de ensino e extensão – como o próprio PET-Saúde – e a reestruturação da matriz curricular para inserção de disciplinas voltadas para a atuação interprofissional. No entanto, nos dias de hoje, se encontram falhas na formação dos cursos da área da saúde, sendo um grande desafio para a atuação da EIP.

As DCNs preconizam que os acadêmicos saem preparados da formação para atuar e trabalhar em equipe interprofissional, porém as matrizes curriculares dos cursos não contêm disciplinas e muito menos aulas voltadas para o assunto. Vale ressaltar que a colaboração interprofissional possibilita uma abordagem diferenciada e um atendimento de qualidade para os indivíduos, favorecendo ao profissional um olhar humanizado ao paciente. Além de promover a comunicação e o desenvolvimento de habilidades para identificar e solucionar problemas no trabalho.

Diante do exposto, percebe-se que, a EIP ainda possui lacunas em seu ensino, mas já está atuando de maneira positiva entre projetos e pesquisas, e aos poucos, está ganhando força e espaço no mundo acadêmico. Dessa maneira, é importante continuar a luta para a implementação da EIP nos projetos políticos pedagógicos para ofertar uma formação interprofissional aos acadêmicos dos cursos da área da saúde. Assim, no futuro, teremos profissionais cada vez mais capacitados para os desafios proporcionados pelo nosso sistema de saúde, atuando em equipe e colaborando de maneira interprofissional.

Biografia do Autor

Gabriella Figueiredo Marti, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem do Instituto Integrado de Saúde (PPGEnf/INISA) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, Campo Grande (MS), Brasil.
Amanda Petri Tortorelli, Secretária Municipal de Saúde/ Fundação Oswaldo Cruz
Residente de Fisioterapia pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família SESAU/FIOCRUZ – Campo Grande (MS), Brasil.
Luciana Aparecida da Cunha Borges, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias (PPGDIP) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, Campo Grande (MS), Brasil.
Fernanda Ribeiro Baptista Marques, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Doutora em Ciências da Saúde. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, Campo Grande (MS), Brasil.
Alberto Mesaque Martins, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Doutor em Psicologia. Docente do Curso de Graduação em Psicologia, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPsico) e do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família (PPGSF) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, Campo Grande (MS), Brasil.
Rodrigo Guimarães dos Santos Almeida, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Doutor em Ciências da Saúde. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem do Instituto Integrado de Saúde (PPGEnf/INISA) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, Campo Grande (MS), Brasil.

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Publicado
2024-03-31
Seção
Artigos Originais