Práticas de educação em saúde sobre HIV para populações vulneráveis no Brasil: revisão integrativa

HIV health education practices for vulnerable populations in Brazil: integrative review

Palavras-chave: educação em saúde, prevenção do HIV, populações vulneráveis

Resumo

Educação em saúde é um processo que visa o reconhecimento da importância da promoção da saúde e da prevenção de doenças. As práticas de educação em saúde sobre a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) com populações vulneráveis, no Brasil, têm sido implementadas frente a desafios. Este estudo objetiva apresentar produções científicas acerca das práticas de educação em saúde sobre HIV para populações vulneráveis brasileiras. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura nas bases eletrônicas BVS, Scielo e Pubmed. Por meio dos critérios de inclusão, exclusão e elegibilidade, selecionou-se dois artigos para discussão. Ambos publicados em 2018, apresentam uma pesquisa quantitativa intervencionista com 55 idosos na cidade de Sobral, Ceará, e uma revisão integrativa da literatura entre os anos de 2000 e 2014. Evidenciou-se que existe escassez de variedade e inovação tanto nas práticas educativas em saúde, como na realização de estudos voltados para as populações vulneráveis do Brasil.

Palavras-chave: Educação em saúde. Prevenção do HIV. Populações vulneráveis.

 

INTRODUÇÃO

As populações consideradas vulneráveis podem ser descritas como grupos de pessoas que enfrentam dificuldades e limitações sociais que interferem em suas condições de saúde, de acesso a serviços básicos, de contemplação de direitos e de aquisição de recursos materiais.1 No caso brasileiro, podem ser mencionadas, como exemplos, pessoas em situação de rua, negros, indígenas, LGBTQIA+, pessoas privadas de liberdade, idosos, gestantes em situação de pobreza e outras. Neste contexto, de acordo com a Fundação Oswaldo Cruz2, ações de educação em saúde, direcionadas aos grupos mais vulneráveis contribuem significativamente para a proteção e promoção da saúde, visto que na maioria dos casos, tais sujeitos vivenciam possibilidades de acesso reduzido a outros recursos socioeducacionais e demais direitos.

 A Organização Mundial da Saúde (OMS)3 define educação em saúde como qualquer combinação de atividades de informação e educação que tenham como objetivo capacitar indivíduos e comunidades para a melhoria de seus índices de saúde, prevenção de doenças e desenvolvimento de comportamentos e estilos de vida mais saudáveis. Para tanto, as práticas educativas devem ser parte de processos contínuos e integrados às políticas e aos programas de saúde internacionais e nacionais, envolvendo a participação ativa das comunidades e visando a promoção da saúde em todos os níveis, ou seja, desde o individual até o coletivo.

 Falkenberg et al.4, alinhadas aos preceitos do Ministério da Saúde, destacam que a educação em saúde deve ser entendida como uma dinâmica ampla e holística, que inclui não apenas informações sobre prevenção de doenças, mas também abordagens que considerem aspectos culturais, sociais e ambientais que influenciam a saúde das pessoas que vivem em diferentes contextos e condições. Nessa perspectiva, as autoras reforçam que o campo não se limita à transmissão de informações sobre doenças e saúde, mas, de maneira abrangente, visa promover a autonomia dos sujeitos a partir de habilidades e competências para promoção da saúde, resolução de problemas e tomada de decisões por meio de pensamento crítico e transformador. A educação em saúde, portanto, ao mirar na autonomia das pessoas, a partir de reflexões acerca de suas demandas e direitos sanitários, opera, também, como dispositivo que fortalece os princípios democráticos, pois visa permitir que comunidades diversas participem das decisões relacionadas às políticas públicas de saúde5.

Considerando o contexto das doenças infecciosas, o vírus da imunodeficiência humana (HIV) afeta desproporcionalmente populações vulneráveis em todo o mundo, especialmente pela fragilidade dos conhecimentos acerca de suas dinâmicas e das condições de vida dessas pessoas6. No Brasil, dada essa realidade, tanto a infecção pelo HIV quanto a aids tornaram-se parte da Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças (Portaria nº 542, de 22 de dezembro de 1986), sendo que a regra vale para a aids desde 1986, para a infecção pelo HIV em gestantes, parturientes ou puérperas e crianças expostas ao risco de transmissão vertical do HIV, desde 2000 (Portaria nº 993, de 4 de setembro de 2000) e, para a infecção pelo HIV em quaisquer pessoas, desde 2014 (Portaria nº 1.271, de 6 de junho de 2014)7-8-9.

Diante disso, é importante destacar que, de 1980 até junho de 2022, foram detectados 1.088.536 casos de aids no país, sendo que a taxa de detecção apresentou decréscimo de 26,5 para 16,5 casos/100 mil habitantes em 202110. Entre 2011 e 2021, um total de 52.513 jovens com HIV, de 15 a 24 anos, de ambos os sexos, evoluíram para aids, mostrando a importância de se atentar ao desenvolvimento da doença nessa faixa etária e a necessidade de envidar esforços para a vinculação aos serviços de saúde e adesão à terapia antirretroviral (TARV). Os casos de aids em crianças menores de 5 anos de idade se mantiveram estáveis nos dois últimos anos, atualmente estando em 1,2 casos/100 mil crianças menores de 5 anos. No período de 2000 até junho de 2022, foram notificadas 149.591 gestantes/parturientes/puérperas infectadas pelo HIV, com uma taxa de detecção de 3,0 gestantes/mil nascidos vivos. Também em 2021, há registros de 11.238 óbitos por causa básica “aids”, com uma taxa de mortalidade de 4,2 óbitos/100 mil habitantes. O acesso ao tratamento com antirretrovirais tem contribuído para a redução da mortalidade. A taxa de mortalidade sofreu decréscimo de 26,4% entre 2014 e 202110.

Partindo desses dados, as práticas de educação em saúde sobre HIV e aids têm sido consideradas e indicadas, por diversos atores e instituições - organizações não governamentais, agências estatais, profissionais de saúde e grupos comunitários –, como ferramentas fundamentais no que diz respeito ao melhoramento das condições de vida de milhares de pessoas. O investimento em práticas educativas direcionadas à prevenção de infecções por HIV e ao aumento da qualidade de vida de soropositivos auxilia a redução das infecções ao mesmo tempo em que promove o fortalecimento e a inclusão social das pessoas que vivem com o vírus11.

Observa-se, contudo, que o maior número de ações educativas sobre HIV e aids baseia-se, prioritariamente, em campanhas de conscientização pública, por meio de mídias sociais, televisão, rádio, cartazes e outros meios de comunicação, seguido de intervenções em grupos específicos, treinamento de profissionais de saúde e programas de testagem e aconselhamento, incluindo oferta de medicamentos preventivos. Nesse sentido, pode-se pensar que há uma mescla entre aquilo que se entende por educação para a saúde4 – modelo verticalizado de "transmissão" de informações – e o que se propõe enquanto práticas de educação em saúde, que almejam contemplar diferentes modos de vida em direção ao aumento da qualidade de vida em diferentes situações5. Porém, ainda há muitos desafios para se garantir que as populações vulneráveis, em sua maioria, contem com dinâmicas de educação em saúde, sobre o HIV e aids, adequadas e significativas.

Internacionalmente, as práticas de educação em saúde sobre o HIV para populações vulneráveis variam dependendo do contexto social, cultural, econômico e político de cada país. Desde 2012, nos Estados Unidos da América estas têm focado na oferta de medicamentos preventivos, especialmente a chamada Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Esta prática foi seguida por outros países, até ser introduzida no Brasil em 2017. Kerr et al.12 mostrou em seu estudo que nos EUA, especialmente os jovens adultos afro-americanos, podem se beneficiar de abordagens que são culturalmente adaptadas e informadas pela comunidade (impressa, digital, rádio, site, mídia social). O uso da PrEP para prevenção do HIV pode reduzir as disparidades raciais/étnicas em relação ao HIV nos EUA, mas os benefícios da PrEP não têm sido igualmente distribuídos de maneira educativa e informativa entre as raças.

Partindo disso, este estudo tem por objetivo entender como estão acontecendo - e no limite, sendo registradas - as práticas de educação em saúde sobre HIV junto às populações vulneráveis, no Brasil, atualmente, a partir de publicações científicas, dos últimos 5 anos. Para tanto, foi desenvolvida uma revisão integrativa da literatura, por meio de bases de dados eletrônicas, cujos procedimentos metodológicos estão descritos na próxima seção. Sequencialmente, são apresentados os resultados, a discussão e, por último, a conclusão do estudo.

 

METODOLOGIA

Estudo de revisão integrativa13-14, cuja busca foi realizada nas bases de dados eletrônicas Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scielo e Pubmed, no primeiro semestre de 2023. A questão de pesquisa utilizada para o levantamento bibliográfico foi: “Como estão acontecendo as práticas de educação em saúde sobre HIV junto às populações vulneráveis no Brasil?” Para isso, utilizou-se os seguintes descritores e suas combinações nas línguas portuguesa e inglesa: “práticas educativas"/educational practices”, “prevenção do HIV/HIV prevention” e “populações vulneráveis/vulnerable populations”.

Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram os seguintes: artigos que retratem a temática no Brasil; artigos publicados em português e inglês; artigos na íntegra que retratem a temática da prática de educação em saúde sobre HIV junto a populações vulneráveis; artigos publicados e indexados nos referidos bancos de dados nos últimos 5 anos (2018-2022). Assim, os critérios de exclusão considerados foram: dissertações, teses, livros, capítulos de livros, anais de congressos, relatórios técnicos e científicos, documentos ministeriais e artigos duplicados. Além destes, foram excluídos artigos cuja temática não se aplica ao problema da pesquisa e artigos realizados em outros países.

Foram encontradas 189 publicações após a realização do filtro de pesquisa nas bases de dados citadas, utilizando-se os critérios de inclusão. A partir da leitura prévia dos títulos e resumos, foram excluídas 187 publicações que não correspondiam aos critérios propostos, totalizando 2 artigos na amostra final. (FIGURA 1)

Para a tabulação dos artigos científicos foi utilizado o instrumento de coleta de dados simplificado, constituído das seguintes variáveis: título do artigo, título do periódico, autores, idioma, ano de publicação, instituição sede do estudo, tipo de publicação, objetivo ou questão de investigação, população de estudo e resultados15.

Foi realizada a análise do conteúdo e interpretação dos resultados, relacionando-os com a literatura disponível e atualizada. Os preceitos éticos foram mantidos, respeitando-se os direitos autorais, mediante a citação dos autores.

 

RESULTADOS

Foram encontrados 170 artigos na base de dados Pubmed, 7 na Scielo e 12 na BVS, totalizando 189 artigos iniciais. Ao serem analisados os critérios de exclusão e duplicidade, restaram 7 referências que foram estudadas na íntegra. Porém, apenas 2 artigos foram elegíveis (FIGURA 1) para a discussão.

Os 2 artigos selecionados, a partir da metodologia estabelecida (Tabela 1), relatam estudos realizados no Brasil, publicados em língua portuguesa. O ano de publicação de ambos é 2018. Em relação aos tipos de estudos, Bastos et al.16 realizaram uma pesquisa quantitativa intervencionista, com 55 idosos, na cidade de Sobral, Ceará, enquanto Lima et al.17 realizaram uma revisão integrativa da literatura sobre tecnologias e práticas educativas relacionadas à transmissão vertical do HIV, entre os anos de 2000 e 2014.

 

DISCUSSÃO

As práticas de educação em saúde sobre HIV, direcionadas às populações vulneráveis, no Brasil, são consideradas estratégias fundamentais para prevenir a transmissão e a infecção do vírus, bem como melhorar a qualidade de vida das pessoas soropositivas. Aqui a promoção da saúde emerge como um pilar fundamental destas práticas educativas, não se limitando à disseminação de informações sobre prevenção, mas buscando empoderar os sujeitos. Guedes e Souza18, referem que as ações educativas, neste contexto, devem promover posicionamentos críticos, o que significa ampliar estratégias para que as ações não se tornem dinâmicas de transmissão e captação de informações. Conforme referem as autoras, tais práticas devem ser pensadas como oportunidades de construção de conhecimentos, a partir de saberes populares e científicos.

Nesse sentido, destaca-se que as práticas educativas no campo sanitário devem articular, de maneira consistente, conhecimentos oriundos dos campos da saúde e da educação de modo a oportunizarem dinâmicas dialogadas, inovadoras e que fortaleçam a democratização das informações, dos saberes, e das diferentes culturas19. Assim, estas práticas devem ser adaptadas às necessidades específicas das populações vulneráveis, levando em consideração fatores culturais, socioeconômicos e de acesso aos serviços de saúde.

Partindo disso, refere-se que o artigo de Lima et al.17 aborda a importância da utilização de tecnologias educacionais para a prevenção da transmissão vertical do HIV. A transmissão vertical ocorre quando uma gestante que vive com o vírus HIV transmite a doença para o feto durante a gravidez, parto ou amamentação. Esse tipo de transmissão pode ser evitado com o uso de medicamentos antirretrovirais, acompanhamento médico adequado e adoção de práticas preventivas. O artigo faz uma revisão integrativa de estudos que investigam a utilização de tecnologias educacionais, como vídeos educativos, jogos interativos e outras mídias digitais, na prevenção da transmissão vertical do HIV. Os autores ressaltam que essas tecnologias têm se mostrado eficazes na promoção da adesão às práticas preventivas, especialmente entre gestantes e puérperas. Além disso, o artigo também destaca a importância da capacitação dos profissionais de saúde para o uso das tecnologias, bem como a necessidade de adaptação dos materiais educativos para diferentes contextos culturais e sociais. Barreto et al.20 realizaram um estudo em 2020 com estudantes de ensino médio, entre 15 e 19 anos, para entender as nuances acerca da vulnerabilidade do público-alvo sobre infecção pelo HIV. A partir das atividades realizadas com os escolares, foi possível visualizar pouco conhecimento sobre a transmissão vertical do HIV entre os adolescentes, inclusive com orientações fornecidas inadequadas.

Nas práticas de educação em saúde, a tecnologia deve ser utilizada de modo a favorecer a participação dos sujeitos no processo educativo, contribuindo para a construção da cidadania e para o aumento da autonomia dos envolvidos. Deste modo, os tipos de tecnologias das quais os profissionais podem valer-se, no campo da saúde, são: tecnologias duras, quando se utiliza instrumentos, normas e equipamentos tecnológicos; tecnologia leve-duras, quando se lança mão de saberes estruturados (teorias, modelos de cuidado, processo de trabalho); e tecnologias leves, por meio das quais se visualiza claramente que a implementação do cuidado requer o estabelecimento de relações (vínculo, gestão de serviços e acolhimento)21.

Diante disso, observa-se que, de acordo com os princípios da educação em saúde, o uso de tecnologias duras, conforme as indicadas no estudo abordado18, torna-se relevante ser articulado às práticas dialógicas e às adaptações necessárias conforme os perfis dos grupos contemplados. É nessa direção que emerge a centralidade das chamadas tecnologias leve-duras e leves, de modo a tornar significativas as informações compartilhadas entre as populações vulneráveis e os profissionais de saúde, com o intuito de transformá-las em conhecimentos úteis e aplicáveis. Vale destacar, ainda, que essas dinâmicas não se limitam à construção de conhecimentos por parte dos usuários, mas operam também na ampliação dos saberes técnicos que são caros aos profissionais e que podem auxiliar em diferentes situações.

Já o artigo de Bastos et al.16, apresenta uma pesquisa quantitativa e intervencionista, na qual se abordou o conhecimento de idosos acerca do HIV, antes e após a realização de ações educativas. No município de Sobral, Ceará, foram recrutadas 55 pessoas com mais de 60 anos, de ambos os sexos, que responderam a um questionário adaptado sobre HIV para terceira idade (QHIV3)16, antes e logo após a realização de oficinas educativas. As oficinas foram realizadas semanalmente, por monitores do PET-Saúde e acadêmicos dos cursos de Medicina, Odontologia e Psicologia que atuavam como facilitadores. Foram utilizados recursos lúdicos e didáticos, como slides e placas ilustrativas, confeccionados pelos monitores, além de cadernos ilustrativos sobre aids e sífilis, disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Nas oficinas foram discutidos assuntos relacionados ao conhecimento dos participantes acerca das formas de transmissão, dos grupos de risco, da prevenção e do tratamento de aids e sífilis. Também foram esclarecidas dúvidas dos participantes que surgiram ao longo da atividade.

A partir do estudo, identificou-se que em relação à prevenção do HIV, 61,8% dos idosos afirmaram saber como se proteger. Desse total, antes da ação educativa, 90,24% indicaram a camisinha como meio de prevenção, enquanto 60,97% referiam o uso de vacinas. Após a intervenção educativa, 100% indicaram apenas o uso de preservativo como meio de prevenção, demonstrando, apesar das limitações do estudo, que a realização de oficinas educativas pode ser uma intervenção eficaz no que se refere à assimilação de conhecimento pelos idosos15.

O aumento da expectativa e da qualidade de vida, bem como avanços na medicina, na indústria farmacêutica e a disponibilidade de medicamentos que permitem o prolongamento da vida sexual ocasionaram mudanças no comportamento sexual dos idosos, tornando essa faixa etária mais vulnerável às infecções sexualmente transmissíveis22. Dentre os fatores associados, destacam-se a resistência ao uso de preservativos e o pouco conhecimento dos idosos acerca de práticas de sexo seguro. Além disso, as campanhas preventivas de HIV normalmente são voltadas para o público mais jovem23.

Diante disso, pode-se aferir que discussões associadas ao HIV, junto às populações vulneráveis, quando conduzidas por meio de diferentes focos, levando-se em consideração as experiências, os conhecimentos e as demandas de públicos distintos, são capazes de atingir melhores resultados em comparação aos movimentos de informação de massa, visto que, no casos dos idosos, as campanhas preventivas não os atravessam em decorrência do endereçamento etário que as envolve, prioritariamente. Nessa direção, reforça-se a importância das dinâmicas dialogadas e inovadoras que consideram diferentes realidades de vida24.

No que se refere à diversidade de perfis de populações consideradas vulneráveis no Brasil, pode ser observada a escassez de estudos e iniciativas sobre a temática de práticas educativas relativas ao HIV, especialmente nos últimos 5 anos. Tal situação indica a necessidade de maiores incursões sobre o campo, de modo a se fortalecer um conjunto de ações que, a partir das políticas públicas e dos estudos epidemiológicos, são consideradas fundamentais. Ainda, é importante ser destacado que as práticas de educação em saúde, desenvolvidas junto às populações vulneráveis, tendem a investir fortemente em movimentos de prevenção, deixando de lado, muitas vezes, a perspectiva da qualidade de vida e do fortalecimento das pessoas que vivem com o HIV. Tal situação pode ser observada a partir dos argumentos dos estudos apresentados, pois ambos tratam de práticas de prevenção em lugar de reflexões e estratégias envolvendo soropositivos.

Nessa direção, Rodriguez et al.11 argumentam que, no contexto da educação em saúde, é fundamental que sejam abordados conhecimentos sobre HIV e aids que potencializem os modos de vida das pessoas que vivem com o vírus. Ressalta-se, a partir disso, que dada a diversidade de realidades que podem emergir de diálogos entre profissionais e sujeitos que vivem sob diversas possibilidades de situações de vulnerabilidade, práticas de prevenção não se tornam suficientes para garantir índices de saúde positivos. É fundamental que a soropositividade também seja vista como uma condição que carece de cuidado, atenção e investimentos educativos. Além disso, há demandas que emergem dos círculos afetivos e sociais dessas pessoas, as quais precisam ser abordadas.

Para além das reflexões teóricas e dos insights oferecidos pelos estudos revisados, é crucial considerar as implicações práticas dessas descobertas para a implementação de programas e políticas de saúde pública. Desenvolver programas educacionais específicos, adaptados às características das diferentes populações, para garantir uma compreensão adequada do HIV/AIDS e promover práticas de prevenção eficazes é primordial. Além disso, é essencial capacitar os profissionais de saúde, especialmente no uso de tecnologias educacionais e na abordagem de questões sensíveis relacionadas ao HIV/AIDS. A integração de tecnologias inovadoras, como vídeos educativos e jogos interativos, nos programas de saúde pode aumentar o engajamento e a adesão às práticas preventivas. Estabelecer mecanismos de monitoramento e avaliação contínua é fundamental para garantir a eficácia e a sustentabilidade dos programas ao longo do tempo. Por fim, o envolvimento ativo da comunidade é essencial para o sucesso dos programas de saúde pública, permitindo que os membros participem ativamente do planejamento, implementação e avaliação das intervenções de saúde.

 

CONCLUSÃO

Apesar da investigação contar com apenas dois estudos sobre as práticas de educação em saúde sobre o HIV junto às populações vulneráveis no Brasil, pode-se concluir, tendo em conta as referências de apoio, que elas são fundamentais para o controle de infecções relacionadas ao HIV e para o aumento da qualidade de vida de pessoas soropositivas que se encontram nestes grupos. Nessa direção, salienta-se a necessidade de um maior número de estudos que abordem, mais atentamente, o contexto das diversas populações que se encontram em situação de vulnerabilidade, em um país como o Brasil. É marcante a urgência de mais pesquisas nessa área, principalmente com foco nas populações mais vulneráveis, como pessoas em situação de rua, trabalhadores do sexo e população LGBTQIA+, por exemplo.

Os estudos encontrados demonstram também a escassez da variedade das práticas utilizadas, ainda hoje, no contexto da educação em saúde para essas populações. Elas se resumem a palestras, distribuição de materiais educativos e atividades expositivas. Estas práticas podem ser efetivas para promover a conscientização e a adoção de comportamentos mais seguros, porém não são suficientes, nem inovadoras em contextos sociais tão distintos.

Ainda, emerge a necessidade de serem desenvolvidas ações mais efetivas, especialmente no que diz respeito a abordagens que considerem pessoas que já vivem com o vírus. Desde o referencial teórico de apoio, até os estudos selecionados, a grande maioria diz respeito à prevenção de doenças em lugar da promoção da saúde. Além disso, é fundamental que as ações de educação em saúde sejam construídas em parceria com as populações, respeitando suas culturas e necessidades específicas, a fim de torná-las mais eficazes e capazes de atingir o maior número possível de pessoas.

Biografia do Autor

Cristiane Pimentel Hernandes, Universidade de Santa Cruz do Sul
Possui Graduação em Medicina pela Universidade Católica de Pelotas (2002), Residência Médica em Infectologia pela Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (2007), Mestrado em Ciências Pneumológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009) e Título de Especialista em Medicina de Família e Comunidade pela AMB (2018). Possui ainda Especialização Lato Sensu em Cooperativismo, Gestão e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2015). Atua como Médica Infectologista do CEMAS/SAE de Santa Cruz do Sul e como Coordenadora Médica das áreas de Atenção e Promoção à Saúde da Unimed Vales do Taquari e Rio Pardo. É consultora da Unimed Federação do RS. Atua como Docente do Curso de Medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul, ministrando as disciplinas de Doenças Infeciosas e Parasitárias, Semiologia Médica e Políticas Públicas. É médica referência em Genotipagem para HIV pelo Ministério da Saúde - DIAHV. É diretora de relações institucionais da Sociedade Gaúcha de Infectologia. Atualmente, é doutoranda em Promoção da Saúde na Universidade de Santa Cruz do Sul.
Andreia Gabriela Buenoda Silva Bueno , Universidade de Santa Cruz do Sul
Médica. Doutoranda de Promoção da Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, Santa Cruz do Sul (RS), Brasil
Camilo Darsie, Universidade de Santa Cruz do Sul
Pós-doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em pesquisa desenvolvida com a Fulda University of Applied Sciences, da Alemanha. Pós-doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tendo desempenhando atividades de campo na Costa Rica, por meio da Universidad de Costa Rica (UCR). Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com Doutorado Sanduíche na Universidade de Minnesota (U of M), Estados Unidos. Mestre em Educação e graduado em Geografia. Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Educação, na Linha de Pesquisa Educação, Cultura e Produção de Sujeitos da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Coordenador do Internato de Saúde Coletiva e Professor da mesma área no curso de Medicina. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Inclusão e Produção de Sujeitos (PPIPS) e Editor-chefe da Revista Reflexão e Ação, do PPGEdu, na mesma instituição. Participante do Grupo de estudos em Promoção da Saúde (GEPS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da Rede Brasileira de Letramento em Saúde (Rebrals) e da International Health Literacy Research Network, coordenada pela Fulda University of Applied Sciences e Technical University Munich. Desenvolve pesquisas nas áreas de Educação, Saúde e Geografia.
Vanessa Cardoso, Universidade de Santa Cruz do Sul
Possui graduação em Enfermagem pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2005), Pós-graduação em Gestão de Pessoas pela Universidade de Caxias do Sul (2007), MBA Executivo em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas-FGV (2014) e Pós Graduação em Oncologia (2016) e Mestrado Profissional em Enfermagem pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - UFCSPA (2018). Atualmente atua com Analista de Atenção à Saúde na Unimed Vales do Taquari e Rio Pardo.
Suzane Beatriz Frantz Krug, Universidade de Santa Cruz do Sul
Graduação em Enfermagem e Obstetrícia (UFSM), pós-graduação em Administração Hospitalar; em Enfermagem do Trabalho e MBA em Gestão da Aprendizagem e Modelos Híbridos de Educação, Mestrado em Desenvolvimento Regional (UNISC) e Doutorado em Serviço Social (PUC/ RS). Foi coordenadora do curso de graduação em Enfermagem, de cursos de pós-graduação latu sensu, Chefe do Departamento de Enfermagem e Odontologia e integrante do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Atualmente é professora adjunta e Chefe do Departamento de Ciências da Saúde da UNISC, consultora ad Hoc do Instituto Nacional de estudos e Pesquisas Educacionais (INEP/MEC), líder do Grupo Interdisciplinar Ampliado de Trabalho e Estudos em Saúde - GIATES e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Saúde (GEPS), desenvolvendo pesquisas com apoio do CNPQ, FAPERGS, CAPES e Ministério da Saúde/OPAS. Docente de cursos de graduação da saúde e do Corpo Permanente do Mestrado e Doutorado em Promoção da Saúde da UNISC, editora-chefe da Revista Interdisciplinar de Promoção da Saúde e revisora de diversos periódicos científicos. Tem experiência na área de saúde/Enfermagem, com ênfase em Saúde do Trabalhador, saúde coletiva, processo de trabalho em saúde; sistematização da assistência de enfermagem, promoção da saúde, pessoa com deficiência.
Gustavo Trombetta Mannes, Universidade de Santa Cruz do Sul
Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul
Hildegard Hedwig Pohl, Universidade de Santa Cruz do Sul
Possui graduação em Educação Física pela Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul (1974), especialização em Biomecânica pela Universidade Federal de Santa Maria (1976), MBA em Gestão da Aprendizagem e Modelos Híbridos de Educação pelo Centro Universitário União das Américas (2020), mestrado em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (1997) e doutorado em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2007). Atualmente é professora da Universidade de Santa Cruz do Sul, também como docente do Curso de Mestrado e Doutorado em Promoção da Saúde. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Atividade Física e Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: estilo de vida, saúde do trabalhador, aptidão física, atividade física e educação em saúde.

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Publicado
2024-03-31
Seção
Artigos de Revisão