A tutela civilística da vida
DOI:
https://doi.org/10.17765/2176-9184.2025v25.e13789Palavras-chave:
Aborto, Dignidade humana, Direito à vida, Eutanásia, Personalidade jurídica, Responsabilidade civilResumo
Contextualização: O presente estudo insere-se no contexto dos desafios impostos pela pós-modernidade à concepção tradicional do direito à vida como direito absolutamente indisponível. A crescente discussão sobre questões bioéticas, particularmente relacionadas aos nascituros e às situações de final de vida, tem levantado questionamentos sobre os limites da tutela jurídica da vida humana. No ordenamento jurídico português, estas questões ganham particular relevância face às alterações legislativas em matéria de aborto e aos debates contemporâneos sobre eutanásia, exigindo uma análise aprofundada que privilegie a dignidade da pessoa humana como fundamento axiológico do direito.
Objetivo: O presente estudo visa analisar a tutela civilística do direito à vida, especialmente em relação aos nascituros e às situações de final de vida, questionando os desafios impostos pela pós-modernidade à concepção tradicional do direito à vida como direito absolutamente indisponível.
Metodologia: A pesquisa adota uma abordagem jurídico-dogmática e axiológica, examinando a legislação penal e civil portuguesa, jurisprudência nacional e estrangeira, e doutrinas jurídicas relevantes. Analisa-se a proteção jurídica do embrião e as questões relacionadas à eutanásia através de uma perspectiva que privilegia a dignidade da pessoa humana como fundamento axiológico do direito.
Resultados: O estudo demonstra que: (1) não existe um direito ao aborto no ordenamento jurídico português, sendo este sempre ilícito, ainda que não punível em determinadas circunstâncias; (2) o nascituro possui personalidade jurídica e direito à vida, justificando a aplicação de mecanismos de responsabilidade civil e medidas preventivas; (3) os direitos invocados pelas gestantes (desenvolvimento da personalidade, liberdade, propriedade sobre o corpo) não legitimam o aborto; (4) a eutanásia não pode ser considerada como exercício legítimo de autonomia, constituindo negação da própria pessoalidade.
Conclusões: Um ordenamento jurídico verdadeiramente comprometido com o direito deve rejeitar tanto o suposto direito ao aborto quanto à eutanásia. A proteção da vida humana, desde a concepção até a morte natural, fundamenta-se na compreensão da pessoa como ser livre e responsável, cuja dignidade se constrói no reconhecimento e respeito pelo outro. As normas que consagrassem tais direitos constituiriam normas injustas, incompatíveis com o fundamento axiológico do ordenamento jurídico.
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